quarta-feira, 24 de outubro de 2012

"Nova velha pobreza" - Artigo de Miguel Cabrita no Diário Económico





A sociedade portuguesa fez nas últimas décadas um caminho importante, ainda que incompleto, de coesão social nos seus segmentos mais desfavorecidos.

É verdade que apesar do contínuo aumento dos níveis educativos nos jovens, a desigualdade de rendimentos não recuou muito. Mas a taxa de pobreza diminuiu 5 pontos percentuais em menos de 20 anos, em particular entre os mais idosos, e diminuíram significativamente a sua intensidade e severidade, desenvolvimentos a que não são alheios medidas como o RSI ou o CSI.

Este horizonte de melhoria do acesso a oportunidades e das condições de vida definiu o Portugal democrático e europeu e foi um dos pilares da legitimidade do regime, da coesão social e do próprio dinamismo económico. Ora, é tudo isto que está em causa quando a estratégia suicida de sobreausteridade ameaça a pertença material e o sentimento de inclusão num "capitalismo de bem-estar" de grupos cada vez mais alargados.

 
É difícil antever as consequências do espectro de uma mobilidade social descendente generalizada e de um processo estrutural de empobrecimento das classes médias. Mas a actual combinação explosiva de políticas não deixará de agravar as desigualdades. E de arriscar juntar à pobreza tradicional dos baixos salários e ao mundo crescente dos precários um colossal contingente de pessoas e famílias de várias gerações que tinham boas razões para se julgar a salvo deste risco, mas que podem ser para ele arrastadas por quebras salariais significativas ou desemprego prolongado.

 
Muitos daqueles que agora vêem a pobreza tornar-se perigosamente possível nas suas vidas não têm trajectos desestruturados ou de "exclusão". São pessoas integradas no mercado de trabalho, em muitos casos mais qualificadas que a média, e junto de quem bem pode Vítor Gaspar insistir, decerto por teimosia, que não vê nenhuma evidência de uma espiral recessiva em Portugal. Na realidade, a perspectiva de uma até há pouco tão impensável quanto literal "austeridade permanente" ganha um novo e mais violento significado para cada vez mais pessoas.

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Miguel Cabrita, Sociólogo
http://economico.sapo.pt/noticias/nova-velha-pobreza_154409.html





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