quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Debate sobre o Orçamento de Estado para 2012



Creio que depois do 25 de Abril nunca um Orçamento Geral do Estado (OGE) terá sido elaborado, apresentado e discutido num contexto tão sombrio e de tantas dúvidas quanto ao futuro de Portugal. Houve, é certo, outros períodos da história da terceira república em que o OGE teve enquadramento de crise e de dúvida. Como sabemos o FMI já interveio em Portugal por duas vezes, antes desta intervenção especial da Troika.

O certo é que das outras vezes a expectativa mesmo que um pouco cinzenta tinha horizontes de curto ou médio prazo. Hoje, já há quem diga que, por exemplo, os subsídios de férias e de Natal estarão suspensos até 2020. A verdade é que o presente orçamento é apresentado num contexto de perda generalizada de direitos por parte da população portuguesa. Portugal assentou as suas linhas de rumo, as suas expectativas de crescimento e desenvolvimento, num conjunto de premissas que hoje são menorizadas ou até ridicularizadas em boa parte do Europa. Como nunca, depois do 25 de Abril, o direito à esperança é posto em causa. A expectativa legítima de olhar o futuro vendo uma vida melhor caiu por terra. Em 1985, quando aderimos à então CEE, olhávamos os restantes países que lhe pertenciam como quem olha um modelo que se quer atingir e, mais do que isso, estávamos certos de que a solução dos nossos problemas viria até nós através da atitude proactiva desses países e nossa, se seguíssemos os seus padrões. Hoje, olhamos o futuro e são os nossos parceiros da União Europeia que nos impõem regras implacáveis e alguns dos tais grandes países estão em dificuldade como nós: destaque-se a Espanha e a Itália.

Elaborar um OGE neste contexto não seria nunca, independentemente da força política que suportasse o Governo, uma empresa de fácil. Mas a verdade é que tudo o que tem acontecido desde que o actual governo tomou posse tem ultrapassado o que seria imaginável no pior cenário pessimista. À total revelia das promessas eleitorais este Governo, que tanto se quis distinguir de outros, optou por fazer quase tudo o que não tinha prometido e optou por não fazer quase tudo o que tinha prometido. Sabemos que o PSD e o actual Primeiro-Ministro mentiram deliberadamente para poderem ganhar as eleições. Mas também sabemos, e o rigor a isso nos impele, que muita coisa na Europa e no mundo piorou. Como aliás vinha a piorar desde que o Lehman Brothers faliu, em 2008. Mas já vinha a piorar numa queda preocupante desde a última parte do governo de José Sócrates. Ora, isto só prova que o factor externo no contexto da nossa economia tem tido um papel determinante e não acessório. Com José Sócrates e agora com Passos Coelho. Temos de recusar a demagogia fácil embora saibamos que não ajuda ver um Passos Coelho a falar, em campanha eleitoral, de que os factores externos da crise que vivíamos eram secundários na nossas crise e, agora, a dizer que o factor externo é essencial e determinante.

Mas falemos do OGE proposto, sem ser extensivo, pois o orador convidado é o Deputado, e nosso camarada, Rui Paulo Figueiredo.

O OGE 2012 será, sem dúvida, o orçamento do nosso descontentamento. Um orçamento que não visa desenvolver o país, potenciar os índices de desenvolvimento humano, criando expectativas positivas ao nível social, económico e cultural, mas sim um orçamento que apenas visa encontrar meios para pagar a dívida contraída para com a troika e assim podermos subsistir em serviços mínimos no tocante a todas as áreas da sociedade. Serviços tão mínimos que levarão a um ano de 2012 recessivo e cujo impacto será devastador para o povo em geral. Mais uma vez os diferentes sectores da classe média portuguesa irão sofrer amargamente e aqueles que estão na classe média baixa entrarão ao nível da carência progressiva senão ao nível da carência absoluta, através de um desemprego galopante e sem condições para ser freado.

Os cortes nas deduções e nos benefícios fiscais são uma constante do OGE 2012. Um exemplo triste e socialmente penalizante é o da redução de 30% para 10% do valor das deduções das despesas de saúde e que passam a ter tecto. Também ao nível da dedução do crédito à habitação onde só se poderá deduzir 15% dos juros que se pagam ao banco e não o capital amortizado (actualmente deduz 30% de ambas as parcelas). O próprio rendimento dos pensionistas não tributado desce de 6000 euros para 4014 euros.

As alterações à taxa do IVA tornam a vida diária muito mais difícil para todos os portugueses, sobretudo, como é lógico, os mais carenciados: e cada dia que passa o número de mais carenciados aumenta. A revisão das listas de bens que pagam 6%, 13% são revistas para cima e o conceito de cabaz de compras emagrece. As refeições prontas vão subir de preço.

Até para os bens culturais o cenário é preocupante: a taxa de IVA passa de 6% passa para 23%. Apenas os livros se mantêm nos 6%. Sabem que sou um amante de livros e acho bem essa manutenção de taxa, mas também sei que a cultura não é só os livros e que muito desemprego irá acentuar-se ao nível dos empregadores das empresas que actuam na área dos bens culturais, por óbvia diminuição de procura. A cultura, aliás, nunca se deu bem com governos da direita em Portugal.   

A suspensão dos subsídios de férias e de natal para 2012 e 2013 terá um efeito devastador nas famílias e nas empresas. O comércio local dos diferentes municípios estará condenado ao maior choque de falências de que haverá memória. Pois era com esses subsídios que a população em geral procurava adquirir alguns bens que de outra forma não adquirirá. Os centros das cidades e o seu comércio local começaram há muito a desertificar. Esta suspensão de subsídios por dois anos (pelo menos) levará a que descobrir uma casa de comércio num centro de cidade comece a ser cada vez mais difícil. Aliás, deixem-me que lhes diga, caras e caros camaradas: em 2011, ao apresentar o OGE 2012, anunciar já medidas para 2013 apresenta-se-me como muito estranho. Ou será que já estamos a aprovar o OGE para 2013?

De facto, a este orçamento faltam medidas que possam incentivar as empresas. E sem empresas não há emprego. Neste ponto o orçamento é um absoluto deserto. Como as ideias do Sr. Ministro da economia acerca de como a economia portuguesa deve seguir são um imenso deserto. Ainda por cima um deserto sem oásis.

O impacto do actual OGE na gestão autárquica será colossal. A redução das receitas directas do Estado para o Poder local irá estrangular a capacidade de intervenção pública de muitas Câmaras Municipais e Freguesias. É importante não esquecer que o desenvolvimento das comunidades passa, e muito, pelo papel activo das autarquias.

A proposta de lei do OGE para 2012 tem consequências muito fortes ao nível da sua aplicação na área laboral. Uma área onde os socialistas têm sempre de ter uma palavra a dizer: Já falámos da suspensão do pagamento do subsídio de férias e de Natal para vencimentos com valor base acima de 1000 euros. Mas podemos falar também da mesma suspensão para aposentados e reformados; ou do facto de haver lugar ao controlo da contratação de novos trabalhadores por pessoas colectivas de direito público; restrições ainda ao nível da atribuição de Prémios de gestão, ajudas de custo, trabalho extraordinário e trabalho nocturno; restrição, ainda, do descanso compensatório; redução de dirigentes na administração pública; redução progressiva de trabalhadores na mesma função pública; é suspenso durante 2012 o regime de actualização anual do indexante dos apoios sociais; bem como o regime de actualização das pensões e de outras prestações sociais atribuídas pelo sistema de segurança social e o regime de actualização das pensões do regime de protecção social convergente. Enfim, outras medidas tendentes a restringir os direitos no quadro da relação laboral, nomeadamente no plano da administração pública, demonstram que o que está em causa é de grande gravidade e exige reflexão e acção política coerente por parte dos socialistas.  
         
Em suma, o PS deu o seu assentimento ao Acordo com a Troika e foi o seu principal negociador. Não pode, é claro, querer descartar-se de tão profundo envolvimento. Mas sabemos que os limites e os termos do acordo com a troika que o PSD também assinou foram excedidos em muito. Em demasiado, eu diria. A terapia de choque que o Governo está a querer seguir é uma terapia perigosa, pois pode matar o paciente. Não sei se a intenção é a de preparar as eleições de 2015, cirando espaço para algumas melhorias em 2014 e 2015. Julgo que haverá, nesta proposta de orçamento muito desta vontade eleitoral do PSD/CDS. Mas se calhar o problema é ainda mais fundo, muito mais fundo. Se calhar o problema é a União Europeia no seu todo e a crise que graça em todos os seus países. Mas se assim for, então temos de deixar e penalizar quem menos pode. Sob pena de a União Europeia estar condenada a muito curto prazo.

O Secretário-Geral, António José Seguro saberá as linhas com que pretende coser a opção de voto do PS. É evidente que a prudência a que o povo português se habituou no tocante ao PS aconselha a uma decisão sóbria e não maximalista. Mas para que o PS se abstenha (o voto favorável depois de tudo o que apresentei parece-me fora de questão) as contra-propostas apresentadas pelos socialistas terão de ser ouvidas e plasmadas no texto final do OGE. Não nos podemos abster num OGE para cuja elaboração nem por um instante os socialistas não tenham sido ouvidos e onde nem a autoria de uma linha lhe pertença.

MÁRIO MÁXIMO


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